Uma das cores atribuídas ao mês de janeiro é a verde-escuro, como forma de conscientizar sobre a prevenção aos tumores ginecológicos. No primeiro mês do ano, as atenções estão voltadas ao câncer do colo do útero, que atinge 17 mil mulheres por ano no Brasil, sendo o terceiro tumor mais frequente entre as brasileiras, quando excluímos o câncer de pele não-melanoma. Em 2020, esse tumor foi o responsável pela morte de 6.600 mulheres no país. Se o ano novo começa com um apelo importante como esse, 2024 carrega uma marca ainda mais emblemática ao celebrar os dez anos da vacina contra o HPV no país. O papilomavírus humano é um dos responsáveis pelo câncer do colo uterino, por isso, reforçar a importância imunização é tão necessário quanto alertar para que a rotina de exames ginecológicas seja cumprida anualmente pelas mulheres.
O câncer do colo uterino é causado, em mais de 90% das vezes, pela infecção persistente pelo vírus HPV (papilomavírus humano). Existem mais de 200 tipos de HPV, alguns deles associados ao desenvolvimento de doenças benignas, como as verrugas genitais. Por outro lado, cerca de 13 tipos de HPV são considerados de alto risco, ou seja, capazes de induzir o desenvolvimento de diferentes tipos de câncer, entre eles o de colo uterino. Cerca 80% dos homens e das mulheres já foram expostos ao HPV pelo menos uma vez até os 50 anos de idade, mas nem todas as mulheres que entram em contato com o HPV vão desenvolver câncer de colo uterino. Isso porque, na grande maioria das vezes, o organismo consegue desenvolver uma resposta imune capaz de eliminar o vírus. A persistência da infecção leva ao desenvolvimento de lesões pré-cancerosas que, se não diagnosticadas e tratadas, podem evoluir para o câncer. Para Leonardo Silva, oncologista do Grupo SOnHe, especializado em tumores femininos, a vacinação de crianças e adolescentes contra o HPV é fundamental para evitar a disseminação do vírus. “O ideal é que a vacina seja administrada antes do primeiro contato com o vírus, ou seja, antes de iniciar a vida sexual. No entanto, hoje já sabemos que mesmo com a vida sexual ativa, a vacinação ajuda a reduzir o risco de infecção persistente”, explica.
Raquel Mattos é mãe de duas meninas e acredita que a vacina seja de extrema importância para o futuro das filhas. A mais velha, de 14 anos, já foi vacinada e a mais nova, de 10 anos, deve tomar a vacina em breve. “Acho fundamental pensar no futuro delas e protegê-las da maneira que posso. A vacina contra o HPV é um pensamento a longo prazo”, defende a mãe. Para a ginecologista Tânia Lima, essa é uma recomendação que deve ser direcionada para meninas e meninos, já que o HPV é o responsável por 90% dos casos de câncer do colo do útero. A médica, que está em tratamento há três anos para combater o tumor, também reforça a importância da rotina ginecológica e da necessidade da mulher conhecer o próprio corpo e se apropriar também da prevenção. “Por natureza, as mulheres se cuidam mais, cumprindo à risca os exames de rotina. No entanto, é preciso conhecer o próprio corpo, ficando atenta a possíveis sinais. Também é fundamental manter relações sexuais seguras, mesmo com um parceiro fixo de anos” orienta a médica.
No Brasil, a vacina contra o HPV está disponível no Programa de Imunizações do Ministério da Saúde desde 2014. A vacina disponível é a chamada quadrivalente, pois protege contra quatro tipos de HPV: 6, 11, 16 e 18, os mais comuns na nossa população.
Dados do Ministério da Saúde revelam que nos últimos anos houve uma redução da cobertura vacinal contra o HPV no Brasil. Em 2019, 87% das meninas e 61,5% dos meninos com idade entre 9 e 14 anos receberam a primeira dose da vacina contra o HPV. Em 2022, a cobertura caiu para 75,8% e 51,1%, respectivamente. “É necessário um esforço conjunto do governo e da sociedade no sentido de atingirmos a meta estipulada pela OMS de alcançarmos uma cobertura vacinal de 90% até o ano 2030”, explica o oncologista Leonardo Silva. Segundo ele, esse é o caminho para a erradicação do câncer de colo uterino.
Dentre os tipos de alto risco do HPV, o 16 e o 18 são os mais frequentemente associados ao câncer de colo uterino. O conhecimento de todo esse processo envolvendo infecção pelo HPV, formação de alterações celulares e lesões pré-cancerosas, culminando no surgimento do câncer de colo uterino, permitiu o desenvolvimento de estratégias de rastreamento deste tumor. No Brasil, o programa de rastreamento, com o exame de Papanicolau, já está estabelecido há várias décadas e se apresenta como um método eficaz na detecção de lesões pré-cancerosas e do câncer em estágios mais precoces, permitindo a cura da doença.
Sobre a Vacina contra o HPV:
No mundo, hoje existem 5 vacinas contra o HPV licenciadas para uso, 3 delas disponíveis no Brasil. Todas essas vacinas são compostas por partículas que simulam o HPV e carregam algumas proteínas virais, mas, por não se tratar de vírus completos e vivos, elas não são capazes de causar infecção viral. Tais vacinas são capazes de induzir uma resposta imunológica que chega a ser 10 vezes superior à resposta imune natural do nosso organismo. Além disso, a produção de anticorpos protetores é bastante duradoura, com alguns estudos mostrando positividade por mais de 15 anos após a aplicação da vacina.
A recomendação é de que a vacina contra o HPV seja administrada às meninas e aos meninos com idade entre 9 e 14 anos, com duas doses com intervalo de seis meses. A segunda dose pode ser administrada com intervalo maior, caso o tempo correto de seis meses não tenha sido respeitado. Se a primeira dose for feita a partir dos 15 anos, deve-se administrar três doses, a segunda com intervalo de 2 meses e a terceira com intervalo de 6 meses (contando a partir da primeira). Além disso, indivíduos que vivem com o HIV, transplantados (órgãos ou medula) e pacientes oncológicos podem receber a vacina entre os 9 e 45 anos de idade, com o esquema de três doses.