O simples reconhecimento equivocado de um criminoso pela vítima, por si só, não é ato ilícito, ainda mais quando não comprovada a má-fé da atitude. Por isso, a 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça livrou o Estado do Rio Grande do Sul e o hoje desembargador Rinez da Trindade de pagar dano moral ao médico do Exército Rodrigo Fialho Vianna, apontado, equivocadamente, como o assaltante do magistrado.
O caso traz à tona uma discussão: será que o nosso cérebro pode criar faces não reais? A resposta foi trazida pelo Pós PhD em Neurociência, Prof. Dr. Fabiano de Abreu Agrela, que é autor de um estudo publicado pela revista Ciência Latina sobre a memória dos rostos. No trabalho, o especialista comprovou que a capacidade de gravar rostos de pessoas que moram em cidades grandes é muito menor do que as que residem em cidades pequenas.
“Foi possível concluir que as cidades mais populosas apresentam maiores índices de ansiedade, transtorno que altera as funções do cérebro, como a amígdala cerebral e o hipocampo, aumentando a dificuldade de memorização de rostos. Além disso, o cérebro, por uma questão de economia de energia, se adapta a não necessidade de memorizar rostos, por isso não nos coloca em risco de vida (…) então não é uma necessidade de sobrevivência e pode ser descartada”, pontuou.
Segundo Fabiano, fatores como o tipo de crime, ângulo de visão, duração, intensidade, uso e tipo de arma, entre outras variáveis devem ser levadas em consideração para a capacidade de memorização, claro, também sendo levado em consideração a pessoa que memorizou. Cada detalhe da cena do crime, entre a pessoa que reconheceu o rosto do e o criminoso deve ser levada em consideração. O período entre o acontecimento e o reconhecimento é bastante significativo já que, o tempo molda a figura com base na persistência.
“Por exemplo, em um assalto, a vítima viu no criminoso um rosto familiar, era parecido com um jogador de futebol. Com o tempo, ao relembrar o trauma, foi se tornando cada vez mais parecido com o jogador de futebol e, após anos, a vítima só consegue lembrar do instante do crime com até mais detalhes, pois esses foram criados com o tempo e o rosto do criminoso é o mesmo do jogador de futebol”, mencionou.
“A questão é que, há os que possuem habilidades excepcionais de reconhecimento de rosto, mas são uma minoria na multidão. Ou seja, qual a probabilidade da vítima ter esta capacidade de memorizar rostos tão bem e mais, como a questão emocional interfere em como ela o memorizou?”, questionou.
Fabiano alerta ainda que existem muitos fatores que precisam ser levados em consideração nesses casos: similaridade de tipos de rostos na região, se quem vai reconhecer o rosto é a vítima direta ou não, se ela teve impacto emocional no crime, o tempo que o crime aconteceu. Isso é apenas um lapso do tanto de pontos que devem ser levados em consideração para o reconhecimento facial.
“Por isso há um investimento em inteligência artificial para reconhecimento facial, para que não aconteçam erros como acontecem em reconhecimento errado. Mesmo assim, o reconhecimento facial feito por humanos que sofreram o trauma são mais eficientes do que pelas máquinas. Já que as estatísticas apontam isso”, concluiu.