Lidar com a dificuldade de engravidar não é um processo fácil para muita gente. Esse desafio envolve sentimentos como frustração, estresse, raiva, ansiedade e tristeza, até mesmo para quem recorre à reprodução assistida para tornar esse sonho uma realidade. Quem vivencia essa jornada enfrenta diversos desafios emocionais, que podem impactar no bem-estar psicológico e social do casal, gerando tensões no relacionamento e comprometendo a qualidade de vida.
Um estudo conduzido pela Faculdade de Medicina do ABC, em São Paulo, e publicado na revista Psychology, Health & Medicine, investigou esse cenário, destacando que os conflitos gerados durante o processo de reprodução assistida podem ter causas econômicas e até mesmo ligadas à ausência de um dos cônjuges. Os pesquisadores avaliaram cerca de 240 casais em tratamento no centro de reprodução humana vinculado à instituição, e identificaram que o nível de embate ligado ao trabalho é maior entre os homens, enquanto as mulheres ficam mais estressadas ao longo do processo.
Para Oscar Duarte, diretor médico do Fertgroup, grupo de clínicas referência em Medicina Reprodutiva no Brasil e na América Latina, os tratamentos de reprodução assistida demandam não somente investimento financeiro, mas também tempo e dedicação, o que pode ser especialmente estressante para os pacientes que trabalham. “A necessidade de realizar exames e consultas frequentes, além dos próprios procedimentos, leva muitas pessoas a terem que se ausentar do trabalho com regularidade. Isso pode gerar problemas como: queda de produtividade, dificuldade de concentração, gestão de tempo e conflitos no ambiente profissional, causando, muitas vezes, a perda do emprego e, consequentemente, um impacto financeiro negativo”.
O especialista destaca ainda que muitos pacientes preferem não compartilhar com seus empregadores que estão fazendo tratamento para fertilidade, temendo resistência devido à necessidade de se ausentar do trabalho ou até mesmo pelo preconceito relacionado a gravidez. “Existem muitas empresas que, infelizmente, contam com líderes que não oferecem um ambiente de apoio para colaboradores em casos como esse, o que faz muita gente ocultar nos atestados o nome da clínica médica por onde passaram. Além disso, muitos ainda enfrentam dificuldades devido aos efeitos colaterais do tratamento”.
Esses sentimentos também se estendem para os âmbitos familiar e pessoal. Estresse, fadiga, exaustão emocional, insatisfação, dificuldade para dormir, entre tantos outros, podem ocasionar conflitos conjugais. “A tensão durante o tratamento é constante, o que pode impactar no relacionamento do casal e até mesmo atrapalhar a jornada do procedimento”, reforça Oscar Duarte.
Ferramentas de análise
Os casais que participaram da pesquisa foram avaliados via questionários online, que abordaram aspectos como estresse, resiliência e relacionamento. Conforme o estudo, os participantes do sexo masculino demonstraram mais resiliência e menor nível de estresse, tanto sob o ponto de vista interpessoal quanto intrapessoal, se comparado com as mulheres em tratamento para a infertilidade. No entanto, eles relataram enfrentar mais problemas no ambiente de trabalho.
Por outro lado, as mulheres apresentaram menor resiliência e níveis mais elevados de estresse. Para o diretor médico, isso está ligado à alta expectativa quanto ao sucesso do tratamento. “Elas se cobram e se preocupam não apenas em não decepcionar a si mesmas, mas também seus cônjuges e a sociedade. Muitas vezes, falta suporte emocional e social para enfrentar essa fase mais desafiadora, o que contribui também para o agravamento do desgaste”.
Contudo, o especialista frisa ser fundamental que as clínicas de reprodução assistida ofereçam um acolhimento aos seus pacientes. “É um momento difícil, no qual o casal está sofrendo e no aguardo de boas notícias. Por isso, é importante que os profissionais adotem estratégias para ajudar esses casais a lidarem com o estresse, com a carga afetiva da infertilidade e aliviar, ao menos em partes, os desafios do tratamento”, conclui.