Já passamos na fase do aquecimento global e entramos na fase de ebulição, que demanda ações de mitigação para os efeitos de uma crise climática já estabelecida. E esse desequilíbrio do planeta que trará enchentes e secas históricas atravessa uma outra crise: a falta de saneamento básico. A injustiça climática manifesta-se de várias maneiras, incluindo a intensificação da vulnerabilidade de regiões periféricas e isoladas aos efeitos adversos do clima e a desigualdade na capacidade de resposta e adaptação aos impactos climáticos. “Ficou muito clara essa desigualdade na tragédia que está acontecendo no Rio Grande do Sul. Enquanto os ricos enfrentam as consequências das enchentes em hotéis ou em suas casas de praia, os pobres se aglomeram em abrigos sem estrutura e muito menos segurança. Além disso, a população que vive em zonas periféricas sofre muito mais com as enchentes por problemas de urbanização e falta de infraestruturas como o saneamento”, destaca o Luiz Fazio, Presidente da Biosaneamento.
Na análise do Presidente da ONG, o saneamento atua nas duas pontas, no pré e pós tragédia climática: como prevenção para minimizar as chances de enchentes nas áreas urbanas e como mitigação dos efeitos da crise climática. Por isso, a falta de saneamento adequado intensifica os impactos, enquanto as mudanças climáticas, por sua vez, agravam as deficiências e desafios no setor de saneamento. “Exemplos práticos que posso destacar são que nas inundações e enchentes as fontes de água são contaminadas pelo esgoto não tratado, aumentando o risco de doenças e perdas de bens materiais; as mudanças climáticas podem levar à diminuição da disponibilidade de água doce em várias regiões, dificultando ainda mais o acesso; em áreas afetadas por secas prolongadas, as populações podem recorrer a fontes de água inseguras, aumentando a contaminação”, pontua Luiz.
Para piorar esse cenário, segundo pesquisa do Trata Brasil, mais de 37,8% da água tratada é perdida antes de chegar aos brasileiros. Esse volume equivale a 3,6 bilhões de metros cúbicos de água tratada desperdiçada só em 2022 , quantidade suficiente para abastecer 54 milhões de brasileiros em um ano. O estudo aponta que o volume total de água perdido por ano é devido a vazamentos nas redes, desvios, erros de medição dos hidrômetros e outros.
“Inclusive, existem técnicas urbano ambientais de prevenção e mitigação de enchentes, como a utilização de Jardins de Chuva que funcionam como um reservatório para o excesso de água, no qual a vegetação filtra os poluentes da chuva, infiltra a água nos lençóis freáticos (como aconteceria em um ambiente natural) e ajuda a entregar uma água mais limpa para rios e córregos”, destaca Fazio.
O especialista também ressalta que quando falamos de Brasil, precisamos lembrar que ainda tem quase 35 milhões de pessoas sem acesso à água tratada, 100 milhões sem coleta de esgotos, segundo ranking do saneamento de 2023. E esse ranking só contempla regiões oficiais, sem levar em consideração as comunidades informais urbanas (que são muitas). Além disso, também não leva em consideração os muitos municípios de pequena população e comunidades rurais. Para se ter uma ideia, a base do SNIS compreende um pouco mais que 2 mil, dos mais de 5 mil municípios do Brasil.
“Por isso ressalto que abordar a desigualdade climática requer não apenas esforços para mitigar as emissões de gases de efeito estufa e adaptar-se aos impactos das mudanças climáticas, mas também investir em infraestrutura de saneamento básico adequada e resiliente. Isso garantirá que todas as comunidades, especialmente as mais vulneráveis, tenham acesso a condições de vida saudáveis, seguras e mais preparadas para enfrentar as futuras crises que estão por vir”, finaliza o Presidente.