A herança digital corresponde ao conjunto de bens e direitos econômicos e extrapatrimoniais digitalmente aferidos, os quais serão transferidos aos herdeiros na sucessão. Em outras palavras, são bens ou direitos utilizados, publicados ou guardados na nuvem ou em plataformas e servidores virtuais. Contas em redes sociais, ativos digitais como criptomoedas e NFTs, entre outras situações do universo tecnológico, compõem um acervo patrimonial que se destaca cada vez mais no Direito das Sucessões.
Débora Ghelman, advogada especialista em Direitos da Família e Sucessões e sócia da Lemos & Ghelman, explica que, “a doutrina jurídica considera este conjunto de bens como ‘incorpóreos’, ou seja, quase como uma situação materialmente invisível. Porém, mesmo assim, sua importância é latente. O Direito Sucessório positivado no Código Civil de 2002, entretanto, não prevê soluções atuais que lidem com a revolução tecnológica”.
É importante saber que a ausência de destino determinado pelo detentor natural do bem pode ensejar a perda ou a utilização sem autorização do patrimônio digital post mortem pelas plataformas on-line e por terceiros que indevidamente tiverem o acesso. “Por conta disso, inúmeros litígios acerca dos ativos digitais começaram a ser ajuizados no Poder Judiciário, fazendo com que a doutrina civilista se atentasse mais para as demandas sucessórias que envolvem tecnologia”, diz Ghelman.
O Projeto de Lei 1.689/2011, por exemplo, em tramitação na Câmara dos Deputados, fixa regras para provedores de aplicações de internet tratarem de perfis, páginas, contas, publicações e dados pessoais de pessoas falecidas. O projeto inclui também disposições no Código Civil e na Lei de Direitos Autorais (9.610/1998).
Bianca Lemos, também especialista no tema e sócia da Lemos & Ghelman, diz que “muitos são os juízes que têm decidido por negar o acesso dos herdeiros ao conteúdo pessoal do falecido. Argumentam, para isso, que as situações jurídicas extrapatrimoniais – entre elas o direito de personalidade – por configurarem bens jurídicos personalíssimos, são intransferíveis, podendo apenas ser protegidos pelos herdeiros e não utilizados”.
“Já, por outro lado, alguns defensores da amplitude da herança digital expõem que para a devida proteção dos bens extrapatrimoniais, ainda mais estes de cunho digital e de difícil alcance, é mais do que necessária a liberação de seu acesso. Sem ele, não há controle do conteúdo deixado pelo falecido que está exposto às intempéries do meio digital”, completa Lemos.
É importante lembrar que o artigo 1.790 do Código Civil diz que a herança constitui todo unitário em que não existe distinção referente à natureza dos bens que a compõem. “Porém, o ponto mais controverso reside na delimitação da intimidade do falecido, de forma a não tutelar a transferência livre de juízos em que o conteúdo mais pessoal do autor da herança se veja indevidamente exposto. O direito à privacidade e à imagem é uma situação que se mantém mesmo após a morte de uma pessoa, uma vez que cabe aos herdeiros defendê-lo de ameaças e ataques posteriores”, complementa Débora.
As advogadas finalizam dizendo que, “a medida jurídica a ser tomada por quem detém bens digitais é o testamento, principalmente o cerrado, em que seu conteúdo fica restrito e oculto até o momento da morte. É uma ferramenta adequada e muito importante para se destacar as reais intenções da pessoa que deixa acervo digital. O destino desses bens, enquanto não existe uma legislação específica, deve observar sempre as vontades do autor do testamento”.