No Brasil, transtornos mentais já são a terceira principal causa de afastamento do trabalho. Em muitos casos, por trás dos laudos de ansiedade, depressão ou burnout, está uma lógica de produtividade tóxica: uma cultura que reduz cada hora em capital, encara cada pausa como desperdício e reduz cada pessoa a recurso.
Desde 2019, o burnout passou a ser reconhecido pela Organização Mundial da Saúde como uma síndrome ocupacional. Trata-se de um esgotamento crônico causado por condições laborais desgastantes, marcado por exaustão física e emocional, despersonalização e perda de sentido. Esse aumento dos afastamentos por transtornos mentais nos últimos anos é sinal de que algo estrutural precisa ser revisto.
Não se trata de romantizar a vida, mas de reconhecer que na base dessa cultura está a ideia de que o valor de alguém se mede pela sua utilidade. Essa lógica não é neutra, pois reforça desigualdades, penaliza quem precisa desacelerar, e ignora o fato de que nem todos partem do mesmo ponto.
Um efeito colateral psicológico disso é o impacto relacional. Vínculos afetivos enfraquecem quando tudo gira em torno do trabalho. Relações familiares, amizades e até a vida comunitária são consumidas pela lógica do “agora não posso”. O excesso de ocupação não afeta só o trabalhador: atinge o entorno, reduz a convivência e empobrece o tecido social.
A tecnologia também desempenha um papel nesse cenário. A promessa de autonomia que veio com o trabalho remoto e os dispositivos móveis se converteram em disponibilidade permanente. Responder mensagens fora do expediente, participar de reuniões em fusos distintos, lidar com demandas a qualquer hora — tudo isso dissolveu as fronteiras entre tempo de viver e tempo de produzir.
Nesse cenário, modelos alternativos de organização do tempo ganham relevância. Em diversos países, novas jornadas de trabalho estão sendo testadas. No Brasil, um projeto-piloto com universidades e empresas privadas avalia o modelo 4×3, que busca manter ou elevar a produtividade, reduzir o estresse, melhorar a saúde mental e aumentar a satisfação das equipes.
Mais que uma pauta corporativa, trata-se de uma discussão sobre valores. Qual o custo humano de uma cultura que glorifica a sobrecarga? Talvez o avanço esteja menos em fazer mais, e mais em permitir pausas, limites e humanidade. Produtividade que adoece não é progresso — é retrocesso disfarçado de eficiência.
Artigo escrito por Daniel Guanaes, PhD em Teologia pela Universidade de Aberdeen, é pastor presbiteriano, psicólogo e líder do movimento Pastores pela Vida (Visão Mundial) autor do livro “Cuidar de si”.