A convivência de Aury Porto com sua mãe, que vive com Mal de Alzheimer há mais de 15 anos, bem como a relação familiar com o lento processo de degeneração cognitiva e de memória acarretado pela doença, foram pontos centrais para a criação de MEU NOME: MAMÃE, espetáculo solo do artista, que marca sua primeira incursão no universo da autoficção, sob a direção de Janaina Leite. A montagem fez sucessivas apresentações, dentro e fora da cidade de São Paulo, desde de que estreou em junho de 2023. As últimas apresentações foram no XXV Festival Internacional de Teatro Cena Contemporânea de Brasília e no XVII Festival de Artes da Cidade de Goiás.
A dramaturgia de Claudia Barral centrada em duas personagens, Filho e Mãe, interpretados pelo ator Aury Porto, e dinâmica de troca de “máscaras”, transita entre a memória do portador da Doença de Alzheimer em que as imagens e situações se expressam diretamente do inconsciente e falas dirigidas diretamente ao espectador.
Escrita a partir de relatos bem-humorados de Aury Porto para os amigos mais próximos sobre as situações vividas por ele e sua família, que além dos cuidados da medicina, se vale da força de resistência característica da cultura sertaneja. A leveza, disposição e afeto empregados nas situações do cotidiano para tratar a complexidade do assunto sempre rendiam o comentário: “Você precisa levar isso para o palco”.
“A disposição e bom humor, pouco frequente entre famílias que têm portadores do Mal de Alzheimer, onde na maioria dos casos vemos tristeza, medo e vergonha dos familiares e tendência ao isolamento social do paciente, já era um importante passo para a realização da montagem. Então, fui apresentado a Janaína Leite, que já possui um extenso trabalho artístico com a perspectiva autobiográfica”, explica o ator.
Os arremates finais da dramaturgia de Claudia Barral deram uma dimensão ainda mais poética ao texto. “Ações, esboços de diálogos, depoimentos e intervenções foram sendo paulatinamente lapidados e reorganizados em um exercício delicado de tessitura de fios de memória e de experiência. A dramaturgia persegue, na verdade, reconstituir, em um mosaico, os laços que unem mãe e filho. São cenas da vida cotidiana que, tocadas pela condição do Alzheimer, se reestruturam não para o apagamento, mas para o aflorar de uma transformação”, conta a dramaturga.
A trajetória presente nas obras de Janaina Leite dentro da vertente dos teatros do real, ganha em MEU NOME: MAMÃE uma especial camada ao ter a memória como centro dentro do delicado tema da saúde mental. “A forma como o Aury e sua família lidam com a doença, abre uma outra dimensão, que me interessa como diretora, além da relação do filho com a mãe, tema que já me vem tocando há um tempo. A saída lúdica encontrada por eles para essa convivência é o retrato do próprio teatro no encontro com a vida”, acredita a diretora.
Tirar o véu do tabu
Apesar de ser um testemunho do amor inquebrantável do Filho para com sua Mãe, a montagem tem um propósito sanitário: colaborar com a discussão sobre as doenças características da velhice, uma vez que a sociedade brasileira está envelhecendo. “O país tem aumentado sua expectativa de vida e faz-se necessária uma mudança de paradigma. Estamos deixando de ser um país da juventude e urge nos debruçarmos sobre a velhice como fenômeno social”, adianta Aury.
A diretora Janaina Leite sentencia: “MEU NOME: MAMÃE é a possibilidade de tirar o véu do tabu e pensar outras maneiras de lidar com a forma especial de presença ainda possível dessas pessoas que amamos. Não mais um passado arquivista, mas uma memória em ato, que se atualiza pelo vínculo e através da ludicidade da linguagem”, completa.
Diante da situação trágica que caracteriza essa doença para a qual não se tem cura e na qual o paciente evolui inevitavelmente para a perda completa da memória, a direção de arte de Flora Belotti prioriza elementos cotidianos, que se desdobram em sentidos e trazem novas camadas para a interpretação. Cenário e figurino retratam o peso da história de uma vida, com objetos realistas, típicos das casas de interior do Nordeste. Tecidos crus se apresentam como a matéria da criação, se desdobram em imagens ao envolver espaço, corpo e se colocam como objeto, seja no lençol que recobre todos os móveis do espaço ou no mosquiteiro que se abre em tela de projeção.
A trilha sonora criada por DiPa é composta por músicas que fazem parte das memórias afetivas “da mãe e do filho” nos anos convividos no interior do Ceará, juntamente com temas originais compostos para o espetáculo que aludem a uma desconstrução dos elementos sonoros desse universo do sertão. Já o desenho de luz de Ricardo Morañez brinca com a fantasia, memória, sombras e projeções.
Teatro | MEU NOME: MAMÃE
Quando:dia 10 de janeiro na Casa Absurda / dia 11 de janeiro no Centro Cultural Bom Jardim / dia 12 de janeiro na Sala de Teatro Nadir Papi Saboya do Theatro José de Alencar
Horários: dia 10, sexta-feira, às 19:00
dia 11, sábado, às 19:30
dia 12, domingo, às 19:00
Duração: 50 minutos
Classificação indicativa: 12 anos
Ingresso: Gratuito
Endereços: CASA ABSURDA – Rua Isac Meyer, 108 – Aldeota
CENTRO CULTURAL BOM JARDIM – Rua 3 Corações, 400 – Bom Jardim
SALA NADIR PAPI SABOYA do TJA – Rua Liberato Barroso 525 – Centro