O Centro de Aprendizagem em Avaliação e Resultados para a África Lusófona e o Brasil, da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV EESP Clear), com o apoio da Fundação Lemann, apresenta os resultados de um estudo sobre educação e crescimento econômico. Entre as principais conclusões estão:
- A qualidade da educação está positivamente associada com maiores taxas de crescimento econômico. Um aumento nas notas em testes padronizados internacionais está relacionado a um aumento na taxa de crescimento do PIB per capita entre 1 e 2,2 pontos percentuais ao ano;
- O aumento da qualidade do ensino básico nos municípios brasileiros está associado a ganhos expressivos na geração de empregos entre jovens;
- O capital humano é considerado um fator extremamente relevante para explicar as diferenças de crescimento econômico entre países;
- A escolaridade está associada com a produtividade e explica boa parte da diferença da renda dos trabalhadores.
De acordo com o professor da FGV EESP e coordenador da pesquisa, André Portela, a educação é essencial para o desenvolvimento econômico de um país. “A literatura é clara em apontar que a acumulação de capital humano é um dos principais motores do crescimento e o principal canal para a realização das aspirações das pessoas. O foco dessa agenda deveria ser voltado aos investimentos públicos na qualidade da educação e na formação de capital humano desde os primeiros anos de vida”, aponta Portela.
O estudo é uma síntese das principais evidências científicas acerca da relação entre qualidade da educação e crescimento econômico, incluindo artigos de autores que são grandes referências na área, como Eric Hanushek, pesquisador da Universidade de Stanford.
Um grande desafio dessa literatura é encontrar uma forma adequada de mensurar a qualidade do ensino. A abordagem mais amplamente utilizada atualmente é aquela que explora os resultados de provas padronizadas internacionais, como o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA) e o Trends in International Mathematics and Science Study (TIMSS), para medir o desempenho educacional dos alunos de cada país. Essa abordagem é preferida a estratégias utilizadas anteriormente, como medidas de anos de escolaridade, taxas de alfabetização ou taxas de matrícula da população, porque incorpora um aspecto importante na análise: o de que qualidade e quantidade de educação não são equivalentes.
Há evidências na literatura especializada de que é exatamente a qualidade da educação (medidas pelos testes padronizados) que está relacionada ao crescimento econômico, e não a quantidade (medida pelos anos de escolaridade). Além disso, alguns estudos indicam que o retorno de se investir em educação é maior em países de renda mais baixa: elevar as habilidades dos estudantes apresenta maior potencial sobre o crescimento econômico do que apenas garantir o acesso à educação, sem aumento de habilidades. A estratégia conjunta, porém, é a de maior retorno: garantir aumento de habilidades simultaneamente ao acesso à educação elevaria o PIB em até 28% para países de renda média-baixa, 16% para países de renda média-alta, e menos de 10% para países de renda alta.
Todos os artigos analisados convergem na conclusão de que há impactos positivos de se elevar o desempenho educacional dos alunos sobre o crescimento econômico dos países. Os estudos indicam que um aumento na nota média dos alunos nos testes padronizados está associado a um aumento no crescimento anual médio, com estimativas entre 1 e 2,2 pontos percentuais no PIB per capita para cada desvio-padrão de aumento nas notas, na média do período analisado.
“Há 40 anos o Brasil segue crescendo abaixo do seu potencial e da média do mundo. Neste período, tivemos avanços significativos no acesso à educação, mas que não se refletiu na mesma proporção em ganhos na aprendizagem dos estudantes. A qualidade educacional – com equidade, sobretudo racial – deve ser uma prioridade para o desenvolvimento do país e para dar condições para que os brasileiros desenvolvam o seu máximo potencial”, diz Daniel De Bonis, diretor de Conhecimento, Dados e Pesquisa da Fundação Lemann.
A comparação da situação educacional brasileira com o restante do mundo revela que o Brasil está ainda muito aquém dos países desenvolvidos, e mesmo de diversos países em desenvolvimento. Conforme os resultados dos exames de matemática e ciências do PISA de 2018, o Brasil se encontra nas últimas posições do ranking internacional de educação entre os 79 países participantes, atrás de todos os países desenvolvidos e grande parte dos países em desenvolvimento, incluindo Costa Rica, México e Uruguai, por exemplo.
Além disso, segundo estudo realizado pelo Banco Mundial, se o Brasil mantivesse os mesmos níveis de crescimento de capital humano (medido pelo Índice de Capital Humano) dos anos recentes, levaria uma década para alcançar o nível do Chile, por exemplo, e seriam necessárias três décadas ou mais para alcançar os níveis de países como Portugal e Japão. Essa defasagem, por sua vez, implica diretamente em perdas expressivas de crescimento econômico: o mesmo estudo do Banco Mundial conclui que o PIB per capita brasileiro poderia ser 66% maior se o país provesse educação e saúde de qualidade para toda sua população.
A situação piorou ainda mais com a pandemia de COVID-19. Os resultados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) de 2021 mostram um retrocesso sem precedentes no aprendizado dos alunos durante os anos de ensino a distância. Segundo os resultados divulgados pelo Inep/Ministério da Educação, o Brasil apresentou perda de desempenho educacional em todas as disciplinas analisadas e em todos os ciclos do ensino básico quando comparados com os resultados de 2019. Os indicadores apontam que o nível de proficiência média dos alunos do 9º ano na disciplina de matemática caiu para os níveis de 2015, enquanto a proficiência desses alunos na disciplina de língua portuguesa caiu para os níveis de 2017.
Mesmo antes dos resultados mais recentes do SAEB, estudos já evidenciavam a perda de aprendizagem ocorrida no Brasil entre 2019 e 2021. Nesse período, a proporção de crianças entre 6 e 7 anos que não sabem ler e escrever aumentou em mais de 15 pontos percentuais, equivalentes a mais de um milhão de crianças (World Bank, 2022). Além disso, os alunos brasileiros aprenderam apenas 27,5% do que teriam aprendido se estivessem em ensino presencial em 2020 e, para além do efeito direto sobre aprendizagem, a pandemia elevou o risco de abandono em mais de 300% (Lichand, Doria, Leal-Neto, e Fernandes, 2022). Resultados obtidos por Hanushek e Woessmann (2020), por exemplo, indicam que uma perda de aprendizagem equivalente a dois terços de um ano letivo está associada a uma redução de 4,2 trilhões de dólares no valor presente do PIB brasileiro do restante do século, o equivalente a 136% do PIB de 2019. Diante desse cenário, a agenda de investimentos em educação se faz ainda mais urgente no Brasil.